mulher borboleta

Eu conheci uma mulher borboleta. Foi no samba. Um pouco depois que entrei no bar. O som estava alto pra ecoar por toda a rua, o calor era típico do mês de janeiro. Os ladrilhos do salão suavam.

Entre um ombro e outro, avistei aquela borboleta mulher parada no canto. Duas músicas depois, ela veio voando, veio voando, e bem na hora do refrão daquele samba animado, a borboleta pousou ao meu lado.

Falei baixinho e procurei não fazer movimentos bruscos. Não queria que ela se assustasse. Mas a mulher estava curiosa e foi se aprochegando de mansinho. Contei e cantei. Que eu nunca tinha visto uma mulher borboleta assim, tão perto.

Quando eu ria, me preocupava em não mexer demais os braços. Afinal, qualquer brisa é ventania praúma mulher borboleta. Ela era delicada e conservava a brutalidade dos insetos fêmea.

Num certo momento, quando o silêncio se fez, ameaçou ir embora e avoar para longe, mas foi alarme falso. A mulher borboleta se aproximou ainda mais, fez um vôo curto e veio pousar no meu ombro, na mira dos meus ouvidos. Ela queria falar mais baixo e ouvir melhor.

Vamos lá pra fora tomar uma cerveja?

E ficamos de asas abertas para o vento que estava leve e constante.

Andorinhas

Percebo que é hoje. Como andorinhas esvoaçantes, são corredores, homens e mulheres, ciclistas mil, a vaguearem num ir e voltar frenético das seis horas da tarde. Novos, velhos, paulistas, mineiros, cariocas, suecos e japoneses desfilam no trote feliz do primeiro dia do pré verão carioca. Avenida Atlântica. Vê-se em Copacabana que o verão já é. Trampos e luzes, sorrisos e risos. Hippies, ricos, hippies e ricos, mendigos. Tantan, pandeiro, cavaco, que sai agora às onze horas, só amanhã de manhã. Copos de caipirinha seguram humanos rosados parados. A pedra que encerra a beleza de uma deusa. Olhares de 2 segundos em série. No século vinte e um, 2 segundos já é muita coisa. Uma tarde já é muita coisa.

Irina

Foi naquele ferro de se alongar da praia. Ela me viu fazendo barra e achou graça. Chegou de mansinho, brincou de fazer cada um dos exercícios uma vez. Sorriu pra mim, foi indo embora. Tipo criança. Eu segui. Tipo criança também. Qual o seu nome?

Irina.

Ela era russa e queria saber como fazia para chegar em Bonsucesso. Não me pergunte como entendi que era “Bonsucesso”. Lembra: ela era russa.

Perguntei o que estava fazendo no Rio. Da Rússia. Veio pro carnaval e decidiu ficar mais. Todo o resto que penso da Irina foi invenção da minha cabeça porque naquela despretensiosa tarde de quarta-feira nossa conversa não durou mais do que três minutos.

– Você pode pegar um ônibus que passe pela linha amarela – tentei ajudar – eu não sabia que ônibus pegar para se chegar em Bonsucesso.

Fomos andando pelo calçadão. Foi quando ela fez algo que demorei a entender.

Espetacularmente – mas foi com a normalidade de quem penteia o cabelo – Irina esticou o braço em direção à rua, como quem faz sinal. Mas peraí. Nenhum ônibus estava vindo. Nem táxi. Antes que eu pudesse pensar – e foram no máximo dez segundos de espera – parou um motoqueiro. Irina sentou na garupa da moto e sumiu. Rumo à Bonsucesso, à Moscou, não sei mais.

Ali fiquei, no meio fio, estático.

Me senti um buldogue francês de apartamento que janta Royal Canin.

Quem é você, Irina?!

Barra

            O vento sopra todo dia. Casais são parecidos: Joãos e Marias. O céu é tamanho GG. Os shoppings são as praças. Aqui só tem cão de raça. Postes de luz fazem barulho. Beleza é obrigação. Pedestres, quem? Loiras e coroas são maioria. Pássaros diversos sobrevoam a ciclovia. Trânsito é fobia. Os carros são membros da família. Cães são tratados como gente. Gente é tratada como cão. O mar é infinito (e também mais bonito).

farofa

             Vergonha de farofa. Seu farofeiro. Não vai fazer farofa, hein?

            Podem anotar. Estará nos livros de história ou blogs do futuro que no verão carioca de 2014 a temida e recriminada farofa se espalhou por todas as classes e se tornou questão de sobrevivência. O vírus farofeiro se alastrou como epidemia de verão.

            Farofa de ovo, farofa de banana, farofa amarela.

            O temor de ser farofeiro nasce nas palavras de cada criança, que no intuito de aposentar aquela merendeira colorida de um desenho animado já fora de moda, profere:

            – Mãe, me dá dinheiro para o lanche. Não quero mais levar comida de casa. Eu quero é comprar pão de queijo na cantina.

            Mas a essência da farofa nasceu na praia.

            O finado frango assado levado à praia de copacabana por uma família suburbana no saudoso verão de 62 não poderia imaginar que sua vida seria imortalizada por um adjetivo proferido, de longe, por uma adolescente zona sul: “farofeiros!”. Estava nascida esta expressão riquíssima, que numa colherada só, traduz a vergonha de se comer em público e o preconceito típico do brasileiro.

            Voltemos para 2014. Aluguel de barraca a 10 reais, cadeira 5? Coco a 6, queijo coalho 5?!

            Preparem os isopores, bolsas térmicas e papéis laminados! Ah! Sou farofeiro, com muito orgulho, com muito amor!

           

 

 

 

 

 

 

 

 

Não rio

             Rio. Nem tanto ultimamente. Algo de estranho no ar. Só está tranquilo quem está de passagem. Apesar do céu azul, o clima não é dos melhores. Imobilidade urbana. Preço de Tóquio, serviço do Rio de Janeiro.

Cidade prostituta.

            Percebo no ar, ouço de amigos voltando de viagens. Assobio Carto ao Tom,  “este rio de amor que se perdeu”. Versão remix.           

Perdeu e com esculacho.

            Todo mundo desesperado. Por dinheiro. Tudo por dinheiro. Rá raê. Salve-se quem puder. 

Selva.

            Mas, peraí… será que temos que vender nossa cidade desta forma?

Colônia de exploração.

            Ao votar no atual prefeito e governador, a população assinou o contrato de cessão total de direitos. De ir e vir. De protestar. De se divertir.

Ame-o ou deixe-o.

             Magic Kingdom dos trópicos, com roleta na porta e insegurança da PM.

Mina de ouro.

            Uma cidade posta à venda para seus moradores. E turistas. Quer comprar? Fala com a turma do prefeito e do governador. Será que Dom João VI já desembarcou?

Arrastão.

            E para quem reclamar, uma remessa superfaturada de balas de borracha e gás de pimenta. Prisões arbiitrárias por mais 25 centavos, senhor?

 

Praiaterapia

Itens necessários

Mar

Areia

Céu azul ou mormaço

Sunga ou biquíni

 

Posologia

Para a total eficácia do tratamento, deve se tomar um mergulho por dia no período de 7 dias consecutivos. Em case de omissão de uma dose, compense pegando um jacaré no último dia.

 

Interrupção do tratamento

Não interromper o tratamento sem o conhecimento de seu médico.

 

Reações adversas

Ardência na pele, fome, sede, sono.

 

Indicações

Estresse, tédio, mau-humor.